quarta-feira, 30 de março de 2011

RECEPÇÃO CRÍTICA: UM OLHAR DIFERENTE SOBRE A MÍDIA JORNALÍSTICA, POR UM BAIRRO DE FEIRA DE SANTANA – BA

Joelson Santiago Santos[1]
RESUMO: O referido trabalho tem como objetivo analisar matérias de grandes jornais de circulação local para identificar, selecionar e analisar textos jornalísticos que tratem do bairro – Baraúnas –, em Feira de Santana no estado da Bahia. Através desses textos, buscou-se uma análise dos discursos, no qual conotam um perceptível preconceito social, que enquadra o bairro como local apenas de marginais. Este trabalho tem a intenção de abordar algumas concepções preconceituosas que a sociedade feirense, através da mídia jornalística, adota ao referir-se sobre o bairro Baraúnas e compará-los com as opiniões dos moradores do local. Partimos com ênfases e bases teóricas das concepções de culturas, as que os estudos culturais e recepção crítica oferecem. 

INTRODUÇÃO

Diante do perceptível preconceito social, no qual se enquadra o bairro Baraúnas como local apenas de marginais, vinculados nos relatos jornalísticos locais como Tribuna Feirense e Folha do Estado, que conotam uma visão altamente estigmatizadora e depreciativa, pretende-se com esse artigo uma seleção e análise crítica do estereótipo produzido na mídia jornalística feirense.
Dada a multiplicidade de significados impressos num texto escrito, esse trabalho busca espaço para discussão e contraponto do estereótipo que a sociedade feirense adota ao referir-se sobre o bairro Baraúnas. E como Rocha (1991) diz, no livro Que é etnocentrismo, o presente se reconhece pelo passado histórico das culturas. Por isso, partimos com ênfases e bases teórica das concepções de culturas e as que os estudos culturais oferecem.
  Adotando o pressuposto que ''a discussão sobre cultura também pode nos ajudar a pensar nossa própria realidade social'' como diz Santos (2003), em Que é cultura? Ela é uma maneira de pensar acerca de uma sociedade, além de contribuir no combate a preconceitos. Ainda no livro em Que é cultura? O autor destaca que é através da reflexão sobre uma realidade cultural que podemos perceber as relações de poder:

O importante para pensarmos a nossa realidade cultural é entendermos o processo histórico que produz as relações de poder e o confronto de interesse dentro da sociedade.  SANTOS, 2003, p.34
            Essas relações de poder que poderão servir para compreensão da pesquisa proposta, sendo que essas relações de poder podem ser apresentadas ou se constituir através de vários meios de comunicação, no qual um desses meios será o objeto de análise nesse trabalho — a mídia jornalística — segundo o autor os meios de comunicação exercem grande difusão e propostas de ideologias em uma sociedade:

Tais meios de comunicação não só transmitem informações, não só apregoam mensagens. Eles também difundem maneiras de comportar, propõem estilos de vidas, modos de organizar a vida cotidiana, de arrumar a casa, de se vestir, maneira de falar e de escrever, de sonhar, se sofrer, pensar, lutar de amar. SANTOS, 2003, p. 69.

            E através do estudo dessas relações de poder podemos direcionar atenção para as subjetividades implícitas no discurso alvo dessa pesquisa (os textos jornalísticos).
            Já com os estudos culturais, corrente iniciada na Inglaterra por volta da década de 50 com Stuart Hall, Richard Johson e Richard Hoggart como percussores dessa linha de pesquisa. Estes estudos se caracterizaram em não ser um campo unificado e sim de tendência interdisciplinar e um grande instrumento para análise/leitura de culturas nos seus múltiplos textos e suas leituras, no livro Que é, afinal, estudos culturais, Tomaz Tadeu Silva diz , que diz o seguinte sobre essa corrente:
 Os estudos culturais dizem respeito às formas históricas da consciência ou da subjetividade, ou às formas subjetivas pelas quais nós vivemos ou, ainda, em uma síntese bastante perigosa, talvez umas reduções, os Estudos Culturais dizem respeito ao lado subjetivo das relações sociais.  SILVA, 2000

            E essas formas de subjetividades — como Silva apresenta que ''não é dada, mas produzida'' — vão ser alvo dessa pesquisa no intuito de entender e sistematizar e discutir a visão estigmatizadora da sociedade feirense sobre o Bairro em questão. Como todas as práticas sociais são passiveis de serem analisadas de um ponto de vista cultural como defende Silva (2000). Esse trabalho de pesquisa pode ser um relevante exemplo, pois utilizaremos como objeto de exame o material textual da mídia jornalística, um dos meios de análise nos estudos culturais, mas Silva define esses materiais textuais como elementos complexos, múltiplos, coexistente, justapostos; em uma palavra, intertextuais. E isso implica em uma categoria não precisa, mas sinalizadores para compreensão do aspecto analisado.
            Dentro desse contexto, podemos destacar essa pesquisa como objeto complexo e multifacetado já que temos um embate de opiniões acerca do bairro pesquisado de um lado uma sociedade, que em geral, marginaliza e discrimina os moradores desse bairro; do outro os próprios moradores, em suma, não se enquadram ou se reconhece no estereótipo divulgado pela sociedade de Feira de Santana acerca da comunidade de Baraúnas.
            Assim, como esse tipo de enquadramento estratificado de estereótipos, nos quais o bairro "A'', ''B'' ou ''C'' são habitados por pessoas trabalhadoras, estudantes, ricas, honestas e ordeiras... Já nas Baraúnas e outros bairros populares de Feira de Santana são ocupados por marginais, traficantes ou ladrões arruaceiros, podemos encontrar paralelos em nossa sociedade brasileira na qual como explicita DAMATTA no seu ensaio, O que faz o brasil, Brasil?, que classifica a sociedade brasileira dentro de uma evidente hierarquia classificada por critérios como cor da pele, lugar onde mora, forma de se vestir, etc.:

De fato, é mais fácil dizer que o Brasil foi formado por um triângulo e raças, o que nos conduz ao mito da democracia racial, do que assumir que somos uma sociedade hierarquizada, que opera por meio de gradações e que, por isso mesmo, pode admitir, entre o branco superior e o negro pobre inferior, uma série de critérios de classificação. Assim, podemos situar as pessoas pela cor da pele ou pelo dinheiro. Pelo poder que detêm ou pela 'feiúra' de seus rostos. Pelos seus pais e nome de família, ou por sua conta bancária. As possibilidades são ilimitadas, e isso apenas nos diz de um sistema com enorme e até agora inabalável no credo segundo o qual, dentro dele, ' cada um sabe muito bem o seu lugar'. DAMATTA, 1986, p. 47.

                        Embora não concluindo a discussão sobre identidade brasileira DAMATTA retorna essa temática e indica algumas pistas, o que não finaliza a discussão, do que é ser brasileiro dizendo o seguinte em seu livro:

Basta observar que nós, brasileiros, somos um povo marcado e dividido pelas ordens tradicionais: o nome da família, o título de doutor, a cor da pele, o bairro onde moramos, o nome do padrinho, as relações pessoais, o ser amigo do Rei, Chefe Político ou Presidente.  DAMATTA, 1986, p. 77.

No primeiro momento desse artigo, pretendemos traçar uma contextualização histórica do bairro buscando estabelecer as possíveis relações dessas concepções preconceituosas, que foram produzidas ao longo desses anos sobre o bairro. É importante ressaltar a dificuldade de estabelecer um levantamento histórico do bairro dado as dificuldades de encontrar material bibliográfico acerca da história desse bairro. Sendo necessária trazer informações coletadas de entrevistas com moradores antigos, que foram atores principais de vários momentos históricos do bairro em questão. E posteriormente analisando algumas matérias jornalísticas que tratam do bairro e fazendo um contraponto desses discursos.

UM POUCO DA HISTÓRIA...

Canonicamente é divulgado nos livros que relatam sobre Feira de Santana que essa cidade foi oriunda, no início do século XVIII, de uma fazenda administrada pelo Tenente Domingo Barbosa de Araújo e sua esposa Ana Brandão nomeada de Santana dos Olhos D’Água, que com o passar do tempo tornou-se ponto de referência para tropeiros, vaqueiros e viajantes que vinha do Piauí e de Goiás para Cachoeira., Santo Amaro ou Salvador comercializar gado.
Por sua localização e facilidade de se encontrar água, além do pequeno comércio, que aos poucos crescia ao redor dessa fazenda, estimularam o povoamento daquela fazenda ao longo dos anos culminado nessa cidade, atualmente, com cerca de 500 mil habitantes.
Nesse processo de surgimento da cidade de Feira de Santana, o bairro Baraúnas se inseriu com um dos primeiros bairros da cidade, no qual, segundo alguns moradores antigos da comunidade, esse foi um local privilegiado.
E por isso, muito procurado para residir, pois se localizava próximo do campo do gado e da famosa feira livre – principais centros comerciais do final do século XIX e início do século XX, em Feira de Santana. Esse bairro foi procurado para se morar principalmente por pessoas de outros estados que buscava se estabelecer na cidade visando o rentável comércio de gado e por isso, ainda, encontramos na linha genealógica de muitas famílias do bairro descendentes de migrantes pernambucanos, alagoanos, sergipanos e outros nordestinos. De acordo com a publicação no jornal Tribuna Feirense de uma pesquisa feita por estudantes de geografia da UEFS: Elane Fiúza e Kátia Pereira Lima, em 28 de setembro de 2003:

Esta comunidade recebe tal denominação [Baraúnas] devida às inúmeras árvores de baraúnas que ali se encontravam. O mesmo apareceu a partir de uma fazenda de gado, os quais eram vendidos no Campo do Gado Velho e na feira livre da cidade. Com o passar do tempo a área foi adquirindo importância pelo comércio de gado(...) criou-se então currais, matadouros e charqueadas, além da instalação de fábricas (...) Baraúna é um bairro carente, mas com complexidade organizacional evidenciada pelo processo de coesão, além dos equipamentos urbanos como escolas, igrejas, desportistas, universitários, centro cultural, agentes de saúde, associação de bairro, comerciantes, comunicadores políticos, policiais e centenas de famílias. p. 07.

            Já no dicionário personativo, histórico, geográfico e institucional da Feira de Santana temos o registro de sua origem apresentando:

(...) Por ali existiam muitos pés de uma madeira chamada baraúna de grande valia. Está situada[sic] entre a Avenida José Falcão e o Sobradinho. Por lá estão 02 escolas (...). É um bairro quase esquecido dos administradores municipais. Sua infra-estrutura, é bem precária, suas ruas são recheadas de casas humildes, terrenos baldios. Tudo carente, portanto, de muita atenção da administração pública. p. 146

            Verificamos que o registro históricos do bairro impressos são poucos ou muito superficiais, por isso um dos meios mais eficientes dos resgates histórico do bairro é entrevista com moradores, principalmente os mais antigos, que são praticamente unânimes em dizer que o bairro foi e ainda é um excelente lugar de morar.

DE BARAÚNAS PODE SAIR ALGUMA COISA BOA?

Essa comunidade, há muito tempo, perdeu seu status de boa localização geográfica em detrimento aos aspectos da violência atribuída a esse local, no qual a mídia jornalística exemplifica em seqüenciadas matérias, muitas vezes estereotipadas, como, por exemplo, em matérias como: '' Outra traficante presa no bairro das Baraúnas'', ''Traficantes presos pela DTE nas Baraúnas'', ''Luanda (...) cumprirá pena ao lado da mãe e da irmã que já estão lá’’Palcos de guerra entre gangues'', Baraúnas virou mesmo um palco de guerra'' entre outras.
            Nas analises feitas desses textos jornalísticos, percebemos que mesmo diante de uma informação positiva do bairro uma depreciativa do local ou do seu povo, em geral, é emitida, como analisamos nesse trecho de entrevista realizada com o delegado de Tóxicos e Entorpecentes, em Feira de Santana, na época. O trecho seguinte é vinculado ao Jornal Tribuna Feirense de 26 de junho de 2003:
Wilson Jr. – números estatísticos [sobre o tráfico de drogas] não. Mas, temos um parâmetro em torno do assunto que nos apresenta locais considerados críticos, a exemplo dos bairros Rocinha, Jussara e Baraúnas. Neste último, conseguimos reduzir em torno de setenta por cento a comercialização de drogas, após uma série de investigação, e operações in loco. (...)
Wilson Jr. – Percebemos que as classes média e baixa são as mais consumidoras, principalmente entre os jovens. Mas, a classe pobre predomina.

            Nesse fragmento do jornal, o delegado entrevistado, embora não tenha estatística oficial do tráfico de drogas na cidade, elenca a comunidade de Baraúnas como uma das três localidades mais críticas. De certo com embasamento nas ocorrências policiais registradas.
            E na mesma reportagem destaca um aspecto positivo: a redução de setenta por cento da comercialização de entorpecentes no bairro, mas logo em seguida diagnostica que a classe mais baixa predomina no consumo de drogas, ou seja, no discurso do delegado quem financia o tráfico é classe menos favorecida economicamente, então podemos citar bairros com Baraúnas, no qual predomina a baixa renda, como o grande sustentáculo do tráfico, porém de fato é isso que acontece?
            No trecho a seguir o jornalista não perde a oportunidade de ser irônico no relata da prisão de uma jovem traficante da comunidade de Baraúnas quando cita que ela fará companhia a mãe e uma irmã. O trecho a seguir é datado de 12 de abril de 2003 do jornal Folha do Estado:

A equipe da delegacia de tóxicos e entorpecentes prendeu na quarta – feira a traficante Luanda de Jesus Nascimento, 18 anos, Avenida Riachuelo, 226, Baraúnas e os comparsas Benilson Souza Santos ''Beu'', Cláudio Alves silva, 26 anos, e Vanilda Silva dos Santos, 24 anos, do mesmo bairro. (...)
Luanda foi atuada em flagrante e será encaminhada para o conjunto penal de Feira de Santana e cumprirá pena ao lado da mãe e da irmã que já estão lá. Pág. 13.

Fica o questionamento de quais os motivos da construção desse estereótipo de "marginais" que a sociedade feirense, através da mídia, difundi e impõe ao referido bairro, por que existe uma clara repugnação aos residentes desse bairro, como se aí só morassem pessoas fora da lei ou de qualquer regra de convivência pacífica?
            Esses relatos incomodam e, em muitas vezes, até constrangem os moradores, que residem no bairro referido, que não se enquadram nesse rótulo imposto de forma seqüenciada pelos principais meios jornalísticos da cidade.
            As matérias vinculadas nesses jornais resumem-se, em maioria, a violência e ao tráfico ilegal de entorpecentes e as supostas disputas entre gangues por pontos de drogas como se essas práticas fossem rotineiras e exclusivas do bairro em questão e deixando de lado que ali se encontram pontos positivos como uma localização geográfica privilegiada próximo ao centro da cidade, ter uma das grandes escolas de samba de grande representatividade na cultura local, a qual inclusive já levou várias premiações ao longo das micaretas de Feira de Santana, uma equipe de futebol amador altamente organizado o qual já perdura a mais de cinqüenta anos, são alguns dos exemplos que ficam "esquecidos" ou não destacados pela mídia local.
Também residem no bairro cidadãos honestos que trabalham, estudam, fazem faculdade, inclusive nas grandes unidades de ensino superior da Bahia como: UEFS, UNEB, UESC e UCSAL, além de bolsistas do PROUNI em faculdades particulares, que sendo integralmente ou parcialmente estudantes de escolas públicas do bairro em questão lograram os seus espaços nessas instituições de ensino superior. Por que será que esses aspectos não são colocados em questão pela mídia? 

“PALCO DE GUERRA”

           Diante das constantes reportagens que destacam e enfatizam as práticas de crimes ou até mesmo direcionam fatos criminosos ocorridos nas adjacências para o bairro citado, faz-se necessário estabelecer um contraponto dessa situação. Quais as intenções e implicações da construção e perpetuação de um "rótulo" depreciativo acerca do bairro. Conceituando-o como um local apenas de marginais e palco para o tráfico de drogas e disputas entre gangues por causa de pontos de comercialização de tóxicos.
Como um exemplo, contundente, dessa situação, temos o ''lead'' de uma reportagem do Jornal de circulação local: o Folha do Estado datado de 11 de agosto de 2002, que tinha inicialmente a ''intenção'' de divulgar a iniciativa de alguns jovens da comunidade em realizarem uma feira cultural, mas o primeiro parágrafo da reportagem conota uma concepção altamente depreciativa, preconceituosa e deturpada do local:

Baraúnas, um bairro localizado distante do centro da cidade e conhecido como um local bastante perigoso, palco de crime e disputas entre Ganges. Mostra que tem muita coisa boa, por trás de tanta influência negativa. Nasceu dentro da comunidade um grupo de jovens que e defende a paz o bem comum e procura ajudar os moradores dando-lhes apoio moral e espiritual é o grupo Javé – Jovens Atuantes Vivendo o Evangelho. p. 11.

Depois dessa chamada quem iria para essa Feira de cultura? Pois é esse o tipo de conteúdo, em geral, vinculado ou associado ao nome desse bairro, somente nesse trecho já podemos perceber o grau de desinformação e preconceito do editor da matéria do jornal: primeiro que esse bairro é bem próximo a centro da cidade, cerca de 10 minutos a pé se chega ao centro comercial, segundo não temos registro até o momento de brigas de Ganges por causa de pontos de drogas na região e para finalizar o jornalista enfatiza as influências negativas que predomina no bairro, mas quais são essas tantas influências negativas?
Supomos que o profissional do jornal também não teria essa resposta, até porque ele se quer tem uma noção exata da localização geográfica do bairro mencionado e tampouco acompanha as ocorrências policiais da nossa cidade o que fez o jornalista reproduzir em seu texto uma ignorância freqüentemente adotada em nossa sociedade.
Corroborando como esse trecho do Jornal Folha do Estado temos outro trecho do Tribuna Feirense que data do dia 28 de novembro de 2007, no qual o termo '' palco de guerra'' retorna no texto do jornalista:

O Baraúnas virou mesmo um palco de guerra. Assassinos em motocicleta estão matando em série naquele bairro. São quatro homicídios registrados em menos de uma semana. Ontem a vítima foi Genivaldo da Cruz Santos, 42 anos, o 'Mocotó', como era mais conhecido. Ele sofreu pelo mesmo 10 tiros de revólver. Mais uma vez, uma dupla de assassinos em uma moto foram os autores do crime – não se sabe se os mesmo são responsáveis pelas mortes dos últimos dias. p. 04

                Nesse relato, percebemos numa matéria que foi escrita depois de cinco anos na qual o termo ''palco de guerra'' sendo reafirmado e consolidado, porém fica o questionamento: o que é guerra? Pois no relato que lemos nesse jornal dois assassinos em um moto executaram a vítima friamente com 10 tiros sem nenhuma possibilidade de revidar, isso pode ser intitulado como uma guerra, ou uma execução? Novamente a concepção estigmatizadora sobrepõe no texto da mídia.
Além disso, sabemos que a criminalidade não escolhe pouso, por isso esse (pre)conceito imposto não deve ser generalizado, acentuado e tão pouco falseado. Esse comportamento marca um paradigma de descriminação social relevante de ser discutido suas causas, origens e possíveis conseqüências, além de fazer um contraponto com a visão e opinião dos moradores acerca da temática.
Outro aspecto relevante encontrado em um dos jornais pesquisado é uma matéria do Folha do Estado no dia 30 de dezembro de 2005 como título Jovem encontrado morto dentro de canal:

 O corpo de Gutenberg da silva Ramos, 21 anos, foi encontrado despido dentro de um canal de macro-drenagem, nas Baraúnas, na manhã de ontem. Gutemberg residia na Avenida Riachuelo, no mesmo bairro, aparentemente foi morto por espancamento, pois haviam vários hematomas espalhados pelo corpo principalmente nas costas e na cabeça. p. 07

                De fato esse jovem residia na comunidade, mas o canal de macro drenagem se localiza as margens do bairro citado, e não no bairro, essa pequena conjunção pode fazer grande diferença na interpretação do leitor que pode deduzir que dentro da localidade uma pessoa foi espancada até a morte.
            Contudo, encontramos contradições acerca das idéias da mídia sobre o referido bairro, pois verificamos numa reportagem sobre o bairro vizinho(Sobradinho) no qual destacam as vantagens de se morar nele. Geograficamente Baraúna e Sobradinho são muito próximos, por isso na própria reportagem é relatado o nome das Baraúnas, por que juntamente com o sobradinho e outros bairros adjacentes eles formam uma espécie de bairro cidade.
            No qual é muito vantajoso para aqueles que residem nessa região, pois encontra uma infra-estrutura e comodidade de locomoção, de comércio, e lazer, que, em muitas vezes, não é vista em várias cidades pequenas do nosso interior como registra a reportagem datada em 18 de setembro de 2003,no Folha do Estado:

 Localizado em um dos pontos mais altos da cidade, ao lado do Jardim Cruzeiro, o Sobradinho é mais um bairro cidade, tendo ainda em sua volta do seu território grandes comunidades, como: Cruzeiro, Baraúnas, Jardim Sucupira, Morada das Árvores. Separado do centro comercial pela ladeira do Nagé, os moradores não precisam utilizar o curto percurso em busca de lazer e serviços. Quem mora no amplo território comandado pelo Sobradinho dispõe de Estádio Municipal Alberto Oliveira, o Jóia da Princesa, dos clubes como SESI, AABB, com seus parques aquáticos para a prática de esporte e lazer. O primeiro e único observatório do Norte e Nordeste, o Antares, está no seu território, localizado no jardim Sucupira. Na área educacional além do Centro Integrado de Educação Assis Chateaubriand, a população conta com unidades de ensino tanto na rede municipal como na rede estadual. Sem falar que ali perto está a Universidade Estadual de Feira de Santana.  p. 03

            E na própria comunidade de Baraúnas temos como relata também o Folha do Estado no dia 29 de janeiro de 2003:

 O prédio do centro de Educação complementar de Feira de Santana (...) que objetiva atender crianças matriculadas em escolas da rede municipal (...) com salas de aula, cozinha, refeitório, prédio administrativo, área de desenvolvimento de artes, cursos profissionalizantes e quadra poli – esportivas. p. 03
            O próprio jornal admite através da valorização do espaço urbano do bairro Sobradinho que as Baraúnas como integrante desse território se beneficia de todas essas comodidades e vantagens de residir nessa localidade que no caso da Baraúna é separada do centro comercial pela ladeira do antigo Minadouro, atualmente Rua São José. Logo a comunidade tem um espaço vantajoso para se residir e próximo do centro comercial de Feira de Santana. 

VINDE E VEDE

            O incomodo com os comentários depreciativos da comunidade de Baraúnas já foi objeto de debate de vários moradores que não aceitam esse estereótipo, inclusive registrado pelo informativo comunitário É Tempo de Mudar que circulou no bairro durante o ano de 2005, no qual o Editorial de fevereiro relata:

Percebemos o preconceito acerca do bairro Baraúnas, porém esse tipo de discriminação que a sociedade feirense nos impõe não ofusca o brilho e os talentos genuínos do bairro, provando que esse tipo de generalização é estúpida e inadequada, pois muitos são os valores desse espaço geográfico que sempre vem se destacando positivamente. É claro que aqui existem alguns desafios e mazelas a serem enfrentados, assim como todos os bairros da cidade os têm, mas não é só isso que deve ser posto em evidência, por isso esse espaço de reflexão foi criado para mostrar os valores, os talentos, as idéias, enfim mostrar nossa cara.
Por tudo isso, queremos trazer através desse veículo de comunicação, informações relevantes ao bairro, e construir um espaço de reflexão na comunidade, no qual mostrar que somos capazes de apresentar nosso legado.p. 01

            Esse informativo foi construído por alguns colaboradores residentes do bairro dentre eles escreviam estudantes secundarista e universitário, pedagoga, agentes de saúde, e outros moradores interessados com temas sempre relacionados com um pouco da história e os eventos locais, política e saúde.
            Em outro trecho desse informativo local, podemos identificar o posicionamento dos organizadores em relação ao estereótipo do bairro que circulou na comunidade em maio de 2005:

Este informativo comunitário não tem a pretensão de ser a única maneira para melhorar o bairro Baraúnas. O nosso desejo que os moradores possam entender que através daqueles que lutam com coragem devem levantar a bandeira da comunidade, por que só assim teremos um futuro promissor.
Baraunenses, não esperemos por uma sociedade preconceituosa que tem uma intenção visível de colocar as comunidades simples como localidades que produzem apenas violência.
Portanto, você da Baraúna não seja mais um que balança a cabeça como lagartixa confirmando que a comunidade é um local de drogas, prostituição e assaltos, como alguns que promovem essa idéia e encontram, infelizmente, forças em moradores desinformados, descomprometidos com a verdadeira face do bairro. p. 01

            Dos relatos coletados durante a pesquisa com os moradores não podemos deixar de destacar três moradores com experiências diferenciadas para acrescentar os aspectos positivos, negados e/ou ocultados pelos jornais, e seus apreços em morar no bairro, o primeiro é Kátia, 27 anos, professora de uma das unidades escolares do bairro, na qual ela destacou escolher essa escola para trabalhar, pois para ela é muito significativo contribuir um pouco, dentro da sua profissão, para educação no bairro que ela nasceu e se criou. Pois Kátia acredita numa perspectiva emancipatória da educação, trabalho com empenho e amor nesse bairro.
            Outros moradores que destacamos nessa abordagem, Seu Dórico e Dona Lurdes um casal que já residem nesse bairro mais de 50 anos, ambos trazem uma opinião positivado bairro, pois nesse local, com diz seu Dórico, 74 anos:

(...)Eu criei aqui [Baraúnas] 8 filhos: 6 homens e 2 mulheres, graças a Deus, nunca tive nenhum trabalho, já estou na faixa de mais de 30 netos e bisnetos mais de uma dúzia ... e  vou lhe ser sincero (...) fui feliz e sou feliz com todos  criei com eles brincando na rua aqui dentro do bairro(...) e  tenho prazer de dizer que criei eles aqui pra qualquer um.

            Com dona Lurdes, 73 anos, encontramos a seguinte declaração:

(..) Nasci e me criei na Baraúna, morei casei e vivi aqui (...) nunca me desgostei do meu bairro não, até hoje eu amo bairro, não acho outro lugar melhor do que o meu, aqui ninguém nunca me buliu, eu nunca buli ninguém (...) aqui minha mãe dormia de porta aberta (...) era um bairro sossegadíssimo e até hoje pra mim é sossegado , por que ninguém me boli, eu não vou falar mal do bairro, né? (...) mas aqui é um povo muito unido, se um morrer todo mundo tá junto, se um gritar todo mundo ajuda, se um tá com fome outro dá um prato de comida. Na Baraúna todo mundo se uni é praticamente uma família.

Através dessas pequenas falas, porém muito significativas, percebemos como o discurso desses moradores destoam do que é trazido pela mídia. Aqui se fez apenas um recorte dessa questão e uma sintética demonstração dos diferentes discursos que podem permear a nossa sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

           Percebemos que o trabalho de pesquisa nesse campo não é uma tarefa simples, pois é necessário se defrontar com paradigmas ultrapassados e com uma sociedade que se intitula ''igualitária'', mas não democratiza o mesmo ponto de partida e possibilidades para a expressão de opinião, não obstante, tal situação não pode ser ignorada.
 Por isso, se faz necessário à criação de espaços para discussão e contraponto dos mais variados estereótipos produzidos em nosso meio por subjetividades limitadas por preconceitos estabelecidos, em geral, como absolutos ou verdadeiros. O exemplos aqui citados são exemplos contundentes de como pode ser essa subjetividades, muitas vezes, distorcidas e contraditórias.
É preciso também mostrar também que existem espaços para mudanças tanto dos discursos como quanto em paradigmas. E que sociedades homogeneizadas são meras ilusões como apresenta Rocha (1985), pois embora os símbolos culturais tenham existência coletiva, eles são passíveis de manipulação. Articulam-se no interior de uma mesma cultura, concepções e interesses diferentes ou mesmo conflitantes.
 É claro que não conseguiremos efetuar uma pesquisa na qual consiga abarcar todos os sentidos e implicações que estão em torno desse problema, e sim iniciar uma discussão e reflexão crítica sobre o tema proposto.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA. Oscar Damião de. Dicionário Personativo, Histórico, Geográfico e Institucional da Feira de Santana. 3. Ed. Gráfica Nunes Azevedo: Feira de Santana, 2002.
NOTÍCIA DE REDAÇÃO. Baraúnas registra outro assassinato. Tribuna Feirense, Feira de Santana, 20 nov. 2007.
NOTÍCIA DE REDAÇÃO. Centro de Educação Complementar em breve funcionamento. Folha do Estado, Feira de Santana, p. 3, 16 jul. 2003.
NOTICIA DE REDAÇÃO. Classe média e baixa consomem mais drogas. Tribuna Feirense, Feira de Santana, p.?, 26 jun. 2003.
NOTÍCIA DE REDAÇÃO. Jovens Atuantes, Vivendo o Evangelho. Folha do Estado, Feira de Santana, p.3, 11 ago. 2002.
NOTÍCIA DE REDAÇÃO. Sobradinho é outro exemplo de bairro cidade, Folha do Estado, Feira de Santana, 18 de set. 2003. Caderno Especial, p. 03.
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. 11. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. Coleção Primeiros Passos.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. Brasiliense. São Paulo. 2003.
SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org. e Trad.). Que é, afinal, Estudos Culturais. Autêntica:Belo Horizonte, 2000.


[1] Graduado em  Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana.Estudante de Especialização em Estudos Literários e Aluno Especial do Mestrado em Liguagens da Uneb. 

3 comentários:

  1. Parabéns, parabéns e parabéns. Me emocionou muito ao ler esse texto, lembrar fatos terríveis que aconteceram no nosso bairro, tempo em que também fico alegre em perceber que bons frutos estão sendo colhidos, exemplo concreto é JOELSON. Parabéns mais uma vez pela escrita.

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